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Cotidiano

Após tragédia, crianças vivem rotina precária e sem banheiro

Há 12 banheiros químicos instalados a poucos metros do acampamento, mas o uso é exclusivo dos bombeiros e oficiais que ainda trabalham nos escombros. Principal reivindicação dos acampados é que o uso seja liberado.

Folhapress

Publicado em 13/05/2018 às 04:16

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Bombeiros na busca por sobreviventes. / Fotos Públicas

A estrutura de bambu montada no largo do Paissandu para evitar roubo de doações aos moradores do prédio que caiu virou um parquinho improvisado para as crianças que viviam no edifício.

Ao redor, cerca de 50 famílias ocupam barracas há mais de dez dias porque se recusam a ir para abrigos oferecidos pela Prefeitura de São Paulo.

No espaço delimitado por estacas e coberto por uma lona, dezenas de crianças se reúnem de forma espontânea e conseguem se distrair com os poucos brinquedos arrecadados. Garrafas de água vazias e apenas uma bola são suficientes para garantir a diversão.

A falta de lugar para brincar é apenas uma entre as muitas privações que filhos de desabrigados pelo desabamento do prédio enfrentam a poucos metros da antiga casa, transformada em escombros.

Não há banheiros públicos por perto, e as mães enfrentam uma peregrinação pelos bares do entorno quando as crianças ficam apertadas. "Xixi dá para fazer no copinho, mas coco é mais difícil. Muitas vezes elas fazem nas calças mesmo porque não dá tempo de achar um banheiro", diz Daisy da Silva Rodrigues, 32, mãe de sete filhos, sendo que quatro vivem com ela atualmente dentro de uma barraca no largo Paissandu, entre elas, a pequena Sofia, 1.

Há 12 banheiros químicos instalados a poucos metros do acampamento, mas o uso é exclusivo dos bombeiros e oficiais que ainda trabalham nos escombros. Principal reivindicação dos acampados é que o uso seja liberado.

Na hora do banho, as mães recorrem a outros prédios ocupados no entorno.

"Na emergência, uso lencinho umedecido até a hora que consigo levar para tomar banho", diz Daisy.

A situação precária das famílias na praça motivou a Prefeitura de SP a enviar um ofício ao Ministério Público no qual pede providências legais, caso eles continuem resistentes a ir para os abrigos. "As crianças estão em situação de vulnerabilidade. O local é insalubre, há fumaça tóxica e não conseguimos fazer a limpeza da praça por causa das barracas", diz a secretária Eloisa Arruda (Direitos Humanos).

A Promotoria de Infância e Juventude recebeu o documento e ainda analisa a situação para tomar providências.

As famílias se recusam a sair da praça porque cobram da gestão Bruno Covas (PSDB) ações mais contundentes que lhes garantam uma moradia.

A prefeitura ofereceu auxílio-aluguel a 171 famílias que estavam cadastradas como moradoras do prédio. O benefício prevê parcelas de R$ 400 por mês por um ano, mais R$ 1.200 no primeiro mês. O auxílio-aluguel, porém, é visto como insuficiente.

"Se sairmos daqui, seremos esquecidos. Com esse valor não dá para encontrar nada para alugar", diz Ana Paula Arcangelo dos Santos, 47, que vivia no prédio de vidro com os seis filhos pequenos.

Há dez dias, a família se aperta em duas barracas pequenas. Dentro de uma delas, quatro crianças dormem em um colchão de solteiro.

"Faz dias que não durmo. Fico sentada no lado de fora da barraca a noite toda porque tenho medo do que pode acontecer com meus filhos", diz ela, que é diarista, mas não consegue trabalhar desde o desabamento.

Ela foi escolhida para organizar as doações que chegam sem parar. Na tarde desta sexta-feira (11), ela organizou com certa dificuldade a fila de mães com bebês no colo que apareceram em busca de pacotes de fraldas deixados por voluntários.

Entre elas, estava uma mãe com bebê recém-nascido de apenas 16 dias. "São sete fraldas para cada uma. Se precisar de mais, é só vir buscar. Se dermos o pacote fechado, elas vendem ou trocam por drogas", diz ela, em referência às ocupantes de um segundo acampamento de barracas que se formou ao lado.

São pessoas vindas de outras invasões espalhadas pela região central atraídas pelas doações e fluxo grande de curiosos que acaba dando um trocado ou outro. Entre elas, está Priscila Nunes de Lima, 32, mãe de Alessandra, 5, e Samara, 9 meses.

"Só vamos sair daqui quando recebermos o auxílio-aluguel", diz com a bebê no colo.

Ela conta que vive há ao menos oito anos em ocupações, mas quer uma moradia regular. "Tenho medo de incêndio e é difícil conviver com os outros moradores, que jogam lixo em qualquer lugar."

A secretária Eloisa afirmou que a prioridade da gestão tucana é convencer as famílias do acampamento a irem para os abrigos e que reivindicações, como permitir o uso dos banheiros químicos próximos, não serão acatadas. "Não queremos incentivar a permanência das pessoas ali."

"A estratégia da prefeitura é usar o conselho tutelar para fazer pressão sobre as mães para a ocupação acabar", diz o voluntário Heber Farias, que tem ajudado as famílias a se organizarem no acampamento do largo do Paissandu.

A secretária municipal dos Direitos Humanos disse ainda que o conselho tutelar tem feito relatórios sobre a situação das crianças, mas cabe ao Judiciário uma eventual ordem para retirá-las de lá. "É a nossa última opção."

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