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Renata Carvalho em cena com ‘Eu, travesti’, espetáculo que conta a vida de travestis, homens e mulheres trans / Rodrigo Montaldi/DL

Usar o fazer artístico como ponte para quebrar o estigma e o preconceito. Essa é a proposta de artistas da Baixada Santista que têm viajado o Brasil e o mundo levando espetáculos, seminários e oficinas que debatem a questão dos gêneros.

Embora a definição do que é ser “homem” ou “mulher” tenha surgido a partir de uma divisão biológica, uma pessoa pode ter outras identidades que não se encaixam nas categorias padrões de gêneros. Além da dor de “não se encaixar” na sociedade devido ao preconceito, as pessoas transexuais ainda encontram dificuldades no mercado de trabalho e são vítimas frequentes de crimes de intolerância e violência.

Foi não se sentindo habitante do próprio corpo que Renata chegou pela primeira vez ao teatro, em 1996. Apesar de encontrar abrigo e refúgio nos palcos, o preconceito ainda era latente. “Quando comecei a transição percebei a dificuldade em ser travesti. Afinal, de um dia para outro eu passei do filho estudioso e do primo exemplo da família para alguém pertence a uma subclasse. Enquanto artista, eu percebi que não poderia ver os meus (travestis) morrendo e precisava usar a minha voz para fazer alguma coisa. Hoje meu teatro vem diretamente ligado à causa Trans”, afirma.

Interpretando personagens transexuais em diversas montagens teatrais - apontando todas as faces da discriminação e do preconceito - a santista de 35 anos levou o debate sobre gêneros para fora do Brasil com a montagem ‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha dos Céus’. No texto de Jo Clifford Cristo encarna na pele de uma travesti, promovendo o debate sobre a tolerância e o respeito à minorias marginalizadas.

A discussão é necessária

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, segundo pesquisa da organização não governamental (ONG) Transgender Europe (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero. Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, publicado, em 2012, apontou o recebimento, pelo Disque 100, de 3.084 denúncias de violações relacionadas à população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), envolvendo 4.851 vítimas. A média é de 27,34 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia.

“O meu papel é colocar a gente em cena. Nós somos a população mais estigmatizada e marginalizada no país que é campeão em assassinatos de travestis e transexuais no mundo inteiro. Em segundo lugar esta o México, que mata quatro vezes menos. Nossa segunda causa de morte e o suicídio. Há uma tremenda invisibilidade social tanto das nossas vidas quanto das nossas mortes e colocar isso em cena foi a forma que encontrei de dar voz a todos os travestis que estão sendo mortos pela homofobia e pela intolerância”, aponta.

Além de Jesus, Renata atualmente está em cena com a montagem Zona!, do ‘O Coletivo’, espetáculo que toca em questões sociais complexas como a prostituição, a loucura, a marginalidade, o capitalismo, aids e as questões da população Trans. A atriz também estuda outras duas personagens que se identificam com o gênero diferente do registrado no seu nascimento: ‘Eu Travesti’, que conta vidas de travestis, mulheres e homens trans e ‘A princesa que nasceu menino’, que fala sobre transexualidade na infância.

“Não há saúde, educação nem políticas públicas que garantam nossos direitos. Não somos aceitas no mercado de trabalho nem nas instituições de ensino. A prostituição é o único lugar que nos aceita de forma plena”. Além de atriz, Renata é agente de prevenção voluntária de aids e DSTs, onde trabalha com travestis e mulheres transexuais que estão na prostituição. “É por elas que eu luto e resisto na vida e no palco.

Mantenho esse meu trabalho voluntário para me lembrar e nunca esquecer do meu papel como artista”, finaliza.

Cultura Drag desconstruindo os padrões

Personagens ambíguos, que mesclam em si mesmos diversos segmentos artísticos, como dança, teatro e canto. Utilizando o teatro e o humor para representar e encarnar a flexibilidade dos gêneros, as drag queens se reinventaram.

O ator e diretor Zecarlos Gomes, que ministra o ‘Drag Queen Curso – DQC’, afirma que a quebra de paradigmas imposta pela drag queen começa a qualquer momento, no teatro. “A partir do momento em que interpreta um personagem o ator não tem sexo”, define.

O curso, que é focado para pessoas de ambos os sexos, surgiu a partir da sensibilidade do ator de enxergar a drag como personagem e discutir a questão da orientação sexual e quebrar os conceitos de que somente os homens poderiam se montar. “A drag tem a função de entretenimento, mas também tem uma questão política muito forte, que é justamente discutir o segmento e a quebra dos paradigmas e formatos que a sociedade tem”.

De acordo com Zecarlos, embora a drag possa ser interpretada por qualquer pessoa, a personagem tem um significado diferente quando interpretada por homossexuais. “Tem um valor muito mais forte se montar de drag, pois acaba batendo de frente com a sua orientação, né? Acredito que todo mundo tem seu lado masculino e feminino e quando podemos nos expressar e colocar isso como arte tem um valor mais forte e marcante”.

E a arte segue questionando os padrões: hoje com novos códigos visuais - que incluem barba e pinturas corporais – personagens andrógenos questionam o modelo feminino perseguido por outras gerações.

“A drag pode permear pela figura andrógena e até mesmo para um lado masculino, mas não um lado masculino formatado pela sociedade. Para a mulher, a drag acaba indo para o lado da autoestima. Se você parar para pensar no histórico de opressão e machismo da figura feminina, quando ela se depara com essa possibilidade de ser ela ao máximo, acaba se fortalecendo enquanto mulher”, finaliza.

Em apoio à V Semana da Diversidade Sexual de Santos - Uma Rede de Proteção Contra a LGBTFobia, o espetáculo ‘Cabaré Show Drag - Histórias que emergem por detrás do Glamour’, conclusão da oficina ministrada por Zeclaudio, será encenado no dia 3 de dezembro, no Sesc Santos.

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